23 de jun. de 2013

ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA - Busca e Apreensão



[ PEDRO LUSO DE CARVALHO ]


A Décima Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul julgou, em 15 de março de 2012, a apelação cível Nº 70046694634, que foi interposta contra a sentença prolatada pelo Juiz Eduardo Furian Pontes, da Comarca de São Gabriel, pelo Banco Americano S.A., que pleiteia a capitalização mensal dos juros, bem como a caracterização da mora, além de pedir, no recurso: a) a reforma da sentença, para que seja atendido o seu pedido de busca e preensão do automóvel, objeto do respectivo financiamento, b) a revisão do contrato; c) a majoração dos honorários advocatícios.

A douta Décima Quarta Câmara Cível, que teve como relator o Des. Roberto Sbravati, negou, por unanimidade, provimento ao recurso de apelação.

Segue, na íntegra, o colendo acórdão:

APELAÇÃO CÍVEL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA.  AÇÃO DE REVISÃO DE CONTRATO CONEXA COM AÇÃO DE BUSCA E APREENSAÃO. APLICAÇÃO DO CDC. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. DA MORA.

DA APLICAÇÃO DO CDC E DOS CONTRATOS DE ADESÃO. Relação consumerista configurada. Presença de consumidor e fornecedor; arts. 2º e 3º da Lei 8009/90. Súmula 297, STJ. Lei protetiva aplicável ao caso concreto.

CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. A capitalização de juros em período mensal é permitida, mas desde que conste sua pactuação de forma expressa no instrumento contratual. Como este não é o caso dos autos, a capitalização deve ser afastada.

DA MORA E DA AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. É a constatação da existência de abusividade no período da normalidade que tem o condão de afastar a mora do devedor. Presente a ilegalidade contratual, a mora deve ser afastada. Por consequência, improcede o pedido de busca e apreensão do bem.

NEGADO PROVIMENTO AO APELO.

Apelação Cível

Décima Quarta Câmara Cível
Nº 70046694634

Comarca de São Gabriel
BANCO PANAMERICANO S/A

APELANTE
RUBEM DOS SANTOS FREITAS

APELADO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Décima Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, negar provimento ao apelo.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Des. Sejalmo Sebastião de Paula Nery (Presidente e Revisor) e Des.ª Judith dos Santos Mottecy.
Porto Alegre, 15 de março de 2012.


DES. ROBERTO SBRAVATI,
Relator.

RELATÓRIO

Des. Roberto Sbravati (RELATOR)

Trata-se de apelação interposta por BANCO PANAMERICANO S/A., contra sentença de  parcial procedência proferida nos autos da Ação de Revisão de Contrato ajuizada por RUBEM DOS SANTOS FREITAS  e também contra a improcedência da busca e apreensão em que litigam as mesmas partes.

A sentença recorrida assim decidiu:

POSTO ISSO, (a) MANTENHO a medida liminar e julgo PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados por RUBEM DOS SANTOS FREITAS contra BANCO PANAMERICANO S.A, afim de afastar a capitalizar mensal; (b) julgo IMPROCEDENTE a busca e apreensão interposta por BANCO PANAMERICANO S/A em desfavor de RUBEM DOS SANTOS FREITAS.
Com relação a ação revisional, diante da sucumbência recíproca as custas processuais devem ser proporcionais. Assim o réu arcará com 70% das custas e o autor com o restante.
Os honorários advocatícios também devem ser proporcionais. Dessa maneira, fixo os honorários, diante da natureza da causa, do trabalho dispensado pelos procuradores, bem como pelo tempo de tramitação do feito, em R$ 800,00 (oitocentos reais), que deverão ser pagos pelo réu ao procurador do autor na quantia de 70%. O restante deve ser pago pela autora ao patrono do réu; na forma do art. 21 do CPC. Correção monetário pelo IGPM desde a data da propositura da ação.
Condeno o autor da ação de busca e apreensão a suportar as custas processuais e honorários advocatícios ao patrono do réu que, diante da natureza da causa, do trabalho dispensado pelo procurador, bem como pelo tempo de tramitação do feito, fixo em R$ 800,00 nos termos do art. 20, § 4º, do CPC.
Admite-se compensação de honorários advocatícios (REsp 837.084/RS, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, TERCEIRA TURMA, julgado em 16.11.2006, DJ 04.12.2006 p. 314).
Suspendo o pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios por parte do autor da ação revisional em virtude do deferimento da AJG.

Apela o Autor nas fls. 91-102. Requer o provimento do recurso, a fim de permitir a capitalização mensal dos juros e para declarar caracterizada a mora. Pede também a reforma da sentença para julgar procedente a Ação de Busca e Apreensão.  Por fim, requer a majoração dos honorários advocatícios.

Com as contra-razões (fls. 104/114), subiram os autos a este Tribunal.
Foram observadas as disposições legais dos artigos 549, 551 e 552, todos do CPC.

É o relatório.
VOTOS
Des. Roberto Sbravati (RELATOR)

Em 25 de maio de 2010 as partes ajustaram contrato de financiamento com cláusula de alienação fiduciária, referente a um automóvel modelo Mercedes Benz, placa IGW 7181. Os juros remuneratórios foram fixados em 1,12% ao mês e 14,51% ao ano.

CAPITALIZAÇÃO DE JUROS

A capitalização dos juros em periodicidade mensal tem suporte na Medida Provisória n. 2.170-36/2001, art. 5º, que é norma especial em relação ao art. 591 do novo Código Civil. E, neste sentido, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça já pacificou o entendimento pela legalidade da pactuação de capitalização mensal dos contratos bancários não previstos em lei especial.

É importante frisar que a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, ao apreciar o REsp n. 602.068/RS, entendeu que a partir de 31.03.2000, data de publicação da MP n. 1.963-17, também é admissível a referida capitalização mensal dos juros.

A Lei n. 4.595/1964 disciplina o Sistema Financeiro Nacional e atribui ao Conselho Monetário Nacional competência exclusiva para regular as taxas de juros praticadas pelas entidades sujeitas à dita autoridade monetária, se entender necessário. Portanto, a temática referente aos juros praticados no aludido Sistema Financeiro encontra regulação por inteiro e especial naquele texto legal, prevalecendo sobre o Código Civil que prevê, em seu artigo 591, a capitalização anual de juros, em razão do seu caráter geral.

No que tange à Medida Provisória n. 1.963-17 (2.170-36), igualmente, por se direcionar às "operações realizadas pelas instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional", especificidade que a faz prevalente sobre a lei substantiva atual, que não a revogou expressamente e não é com ela incompatível, porque é possível a coexistência por aplicável o novo Código Civil substantivo aos contratos civis em geral (art. 2º, parágrafo 2º, da LICC), não tratados na aludida Medida Provisória.

Portanto, a partir de 31.03.2000 foi facultado às instituições financeiras, em contratos sem regulação em lei específica, desde que expressamente contratado, cobrar a capitalização dos juros em periodicidade inferior à anual, direito que não foi abolido com o advento da Lei n. 10.406/2002.

Adotando essa tese há precedente específico da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, o AgR-REsp n. 714.510/RS, Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJU de 22.08.2005, além de três Recursos Especiais provenientes daquele Egrégio Tribunal, pacificando o entendimento pela legalidade da capitalização mensal, o REsp 821357/RS, Rel. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, Terceira Turma, julgado em 23.08.2007, DJ 01.02.2008, o REsp 906054/RS, Rel. Ministro  Aldir Passarinho Junior, Quarta Turma, julgado em 07.02.2008, DJ 10.03.2008 e o REsp 890460/RS, cuja ementa segue transcrita:

“CIVIL. AÇÃO REVISIONAL. CONTRATO DE FINANCIAMENTO COM GARANTIA DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. CAPITALIZAÇÃO DOS JUROS. ANUALIDADE. ART. 591 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. INAPLICABILIDADE. ART. 5º DA MEDIDA PROVISÓRIA N. 1.963-17/2000 (2.170-36/2001). LEI ESPECIAL.PREPONDERÂNCIA.
I. Não é aplicável aos contratos de mútuo bancário a periodicidade da capitalização prevista no art. 591 do novo Código Civil, prevalecente a regra especial do art. 5º, caput, da Medida Provisória n. 1.963-17/2000 (2.170-36/2001), que admite a incidência mensal.
II. Recurso especial conhecido e provido.”
(REsp 890460/RS, Rel. Ministro  Aldir Passarinho Junior, Quarta Turma, julgado em 18.12.2007, DJ 18.02.2008)

 E, no que tange à Súmula 121 do STF, esta foi sepultada e sequer é citada nos precedentes acima colacionados.

Assim, seguindo a orientação do Superior Tribunal de Justiça, entendo que a capitalização de juros em período mensal é permitida, mas desde que conste sua pactuação de forma expressa no instrumento contratual. Como este não é o caso dos autos, a capitalização deve ser afastada, pois apenas assim o direito de informação prescrito pelo Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 6º, inciso III estará preservado.

DA MORA E DA AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO

Entende-se, na esteira do acórdão paradigmático (RESP 1.061.530/RS), que o ajuizamento isolado de ação revisional não descaracteriza a mora. Tal faz sentido, decerto, mormente porquanto a demanda pode vir sem qualquer substrato jurídico consistente, por primeiro, ou em face de situações em que o inadimplemento faz-se presente desde o começo da contratação e já advém a ação revisional que, em casos como este, não denota um agir de boa-fé por parte do consumidor.

Ademais, sustenta-se que o reconhecimento da abusividade sobre os encargos incidentes para o período de inadimplência contratual tampouco arreda a mora solvendi, uma vez que já se verificou o inadimplemento.

Apenas descaracterizaria a mora o reconhecimento da abusividade em relação aos encargos cobrados no período da normalidade contratual – i.é., juros remuneratórios acima da taxa média estipulada pelo BACEN para o período da contratação, bem como a ilegalidade na cobrança da capitalização. Quando, no período da normalidade, o credor está a exigir do devedor mais do que o correto, mais do que o devido, a mora não resta configurada. É a constatação da existência de abusividade no período da normalidade contratual que tem o condão de afastar a mora do devedor.

Tudo na esteira do acórdão paradigma acima referido (voto da relatora, p. 22):

“(...) o eventual abuso em algum dos encargos moratórios não descaracteriza a mora. Esse abuso deve ser extirpado ou decotado sem que haja interferência ou reflexo na caracterização da mora em que o consumidor tenha eventualmente incidido, pois a configuração dessa é condição para incidência dos encargos relativos ao período da inadimplência, e não o contrário. - Os encargos abusivos que possuem potencial para descaracterizar a mora são, portanto, aqueles relativos ao chamado “período da normalidade”, ou seja, aqueles encargos que naturalmente incidem antes mesmo de configurada a mora.

Como acréscimo, decisão do STJ que confirma a orientação acima:

(...) A descaracterização da mora em face da exigência de encargos abusivos no contrato, conquanto seja pacificamente admitida pela jurisprudência do STJ (EResp nº 163.884/RS, 2ª Seção, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ de 24.09.2001), deve ser analisada com base nos encargos contratuais do chamado 'período da normalidade', ou seja, em relação à taxa de juros remuneratórios e à capitalização de juros.
(EEDD no AgRg no RESP 842.973/RS, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, j. 21/08/08).

No mesmo tom, e para agregar, este colegiado:

“(...) Impende destacar que somente a exigência de encargos remuneratórios ilegais descaracteriza a mora do devedor, que não é afastada, portanto, diante da cobrança de encargos ilegais de caráter moratório, porquanto estes apenas se tornam exigíveis quando já presente o atraso no pagamento” (AC 70036636033, relatora. Desa. Kátia Elenise Oliveira da Silva, j. 27 de agosto do corrente)

No caso em tela, consoante as diretrizes supra, verifico presente as ilegalidades contratuais na ausência de pactuação expressa da capitalização de juros, o que enseja o afastamento da mora do devedor e, por consequência, improcede o pedido de busca e apreensão do bem.

Embora a notificação tenha se implementado conforme as determinações legais, a mora é afastada por fundamento diverso, qual seja, abusividade em virtude de não constar no contrato previsão expressa para cobrança de capitalização dos juros.

Pelo exposto, nego provimento ao apelo.

É o voto.


Des. Sejalmo Sebastião de Paula Nery (PRESIDENTE E REVISOR) - De acordo com o(a) Relator(a).
Des.ª Judith dos Santos Mottecy - De acordo com o(a) Relator(a).
DES. SEJALMO SEBASTIÃO DE PAULA NERY - Presidente - Apelação Cível nº 70046694634, Comarca de São Gabriel: "NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME."


Julgador(a) de 1º Grau: EDUARDO FURIAN PONTES



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